Seguidores

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Mulheres na história, história para mulheres na matemática

Graças a uma professora, meninas e moças estudaram o papel das mulheres na história da matemática. Resultado: as notas delas aumentaram



Kathleen Clark, professora americana de matemática, desde jovem se interessa por matemática e por problemas sociais e políticos, tanto é que fez faculdade de matemática e de ciências políticas. (Nos Estados Unidos, o estudante pode tirar um diploma principal e um secundário.) No começo dos anos 2000, quis descobrir quantos estudantes americanos haviam estudado a história da matemática e, por causa disso, passaram a tirar notas melhores de matemática. Essa informação não existia. Quis descobrir também qual o melhor modo de um estudante dividir seu tempo: x% no estudo de história da matemática e y% resolvendo exercícios e problemas? Essa informação não existia também.

Então, de 2002 a 2006, Kathleen pagou uma pesquisa do próprio bolso: ela procurou descobrir quantos professores de matemática da região em que vivia (Maryland, perto da cidade de Washington) usavam a história dos logaritmos para ensinar logaritmos. Poucos. A maioria dos estados americanos não paga para que o professor de matemática estude história — se ele quiser estudar, terá de fazer isso em casa, nas horas de folga. Com os poucos professores com os quais pôde conversar, Kathleen criou um programa de treinamento para professores e criou também material didático sobre a história dos logaritmos no ensino de logaritmos. Esse material chamou a atenção da Fundação Tensor, que propôs a Kathleen um desafio: que tal gastar 5.135 dólares para descobrir se as mulheres melhoram na matemática quando conhecem a história da matemática, com ênfase na história das mulheres na matemática? Depois de umas conversas, Kathleen e a Fundação Tensor chegaram a um acordo: que tal gastar os 5.135 dólares para treinar 25 mulheres dos 12 aos 22 anos? O projeto ganhou o nome de A História se Repete: Mulheres na História da Matemática para Mulheres Aprendendo Matemática.
Kathleen fica com a voz embargada ao falar do matemático John Nash, especialista em teoria dos jogos e ganhador do Prêmio Nobel. Muita gente conhece mais ou menos sua história, graças ao filme Uma Mente Brilhante. Esse é o ponto, diz Kathleen: sempre que alguém conhece melhor um assunto ou uma pessoa, passa a gostar mais desse assunto ou dessa pessoa. Em outras palavras, para gostar de matemática, é imprescindível conhecer a história da matemática. “Na verdade”, diz Kathleen, “a matemática é menos números e mais história.” As mulheres vão pior na matemática porque, entre outros motivos, não conhecem o papel das mulheres na matemática. A partir do momento que elas descobrem que a matemática foi e ainda é feita por mulheres, seu desempenho melhora. Essa mesma ideia vale não só para mulheres, mas para qualquer pessoa que se sinta inferior. “Muitas vezes, o ensino de matemática se resume à transmissão de procedimentos e de regras”, diz Kathleen. “Os alunos apenas praticam o que o professor lhes manda praticar. Esse método leva a uma visão muito triste da matemática.”
Crescimento econômico
No projeto com as 25 meninas e moças, Kathleen as fez estudar a história de quatro mulheres: Mary Everest Boole, Sophie Germain, Grace Chisholm e Florence Nightingale. Ao longo de seis semanas, as 25 jovens se reuniram para examinar cópias de documentos originais (cartas, primeiras edições de livros, artigos em revistas especializadas), para conversar, para juntas entender como as quatro matemáticas pensaram, visto que viviam em outra época e cidade, em que até a notação matemática era diferente. O projeto, diz Kathleen, deu um rosto humano à matemática. “Um rosto sem barba.”
O projeto deu certo, diz Kathleen. Todas as 25 jovens querem participar de uma segunda edição, se houver uma, e prometeram trazer amigas. “O impacto desse projeto na vida dessas moças é incalculável”, diz Kathleen. Por meio desse projeto, elas descobriram que os conhecimentos matemáticos não caem do céu. Essa ideia parece óbvia para um adulto bem treinado, mas, do modo como ensinam matemática nas escolas, a ideia não é óbvia para crianças e jovens.
Kathleen reconhece, contudo, que uma coisa é uma única professora (ela mesma, Kathleen) treinar 25 crianças e jovens num projeto especial. Outra coisa, muito diferente, é todo professor estudar matemática e história a ponto de usar a história da matemática com eficiência em sala de aula, para treinar milhares de estudantes ao longo dos anos. Para que o professor estude história, estude os métodos usados no passado, proponha problemas do passado para os estudantes (que deverão resolvê-los com métodos antigos e modernos), esse professor precisa estar motivado e bem treinado. Uns poucos conseguem se motivar a si mesmos e estudar sozinhos. A maioria precisa de incentivos do governo, na forma de tempo livre, de bolsas de estudo de aperfeiçoamento e de material didático já pronto.
E o governo? Kathleen recorre a uma ideia econômica para convencer políticos e técnicos em educação a mudar o sistema educacional. Se o professor usa a história para ensinar matemática, ele consegue mostrar a seus alunos o jeito certo de estudar não só matemática, mas qualquer coisa: eles devem conhecer o presente e o passado para que tenham uma boa ideia do que fazer no futuro. Se os alunos aprendem a gostar de matemática, conseguem se dedicar a tarefas mais complexas, como dirigir um banco, projetar um avião, reformar a sinalização de trânsito. Com mão de obra mais qualificada, a economia cresce. Simples assim.
Depois de estudar a história da matemática, diz Kathleen, o jovem deixa de se perguntar: “Por que estou estudando isso? Como vou usar isso na minha vida?” Foi o que aconteceu com as 25 meninas e jovens do projeto. A relação entre aluno e professor melhora, pois o professor deixa de ser o sujeito que impõe um calhamaço de regras incompreensíveis e passa a ser o representante de uma aventura não terminada, e talvez interminável. E, por último, o estudante descobre que a matemática foi feita não só por gênios, mas principalmente por gente comum — inclusive gente teimosa. “Você sabia”, pergunta Kathleen, “que pela maior parte da história os especialistas rejeitaram a ideia de número negativo? Os matemáticos precisaram de uns 1.800 anos para aceitá-los como solução de equações.”
Duas mulheres na história da matemática
Mary Everest Boole (1832-1916) — Nasceu na Inglaterra, mas, quando tinha 5 anos, seus pais se mudaram para Poissy, na França, onde Mary aprendeu as primeiras lições de matemática com um tutor francês: monsieur Deplace. “Monsieur Deplace é o herói de meu idílio”, Mary escreveu mais tarde. “Eu gostaria de passar a impressão adequada do modo como ele envolveu minha vida com uma influência protetora, sem a menor interferência em meus pensamentos ou meus sentimentos.” De volta à Inglaterra aos 11 anos, Mary continuou a estudar matemática por conta própria, e aprendeu cálculo infinitesimal sozinha, mas tinha muitas dúvidas. Numa viagem à cidade de Cork, na Irlanda, Mary conheceu George Boole, que já era um matemático famoso, e os dois ficaram amigos. Ela editou o livro mais famoso de Boole, As Leis do Pensamento, e depois de três anos de amizade os dois se casaram. Em nove anos de casamento, tiveram cinco filhas, até que George Boole morreu.
Na Inglaterra daquela época, mulheres não podiam receber diplomas de universidades, nem podiam ensinar. Mary aceitou um emprego como bibliotecária da Faculdade de Queens, na Inglaterra, mas sua verdadeira função na faculdade era dar aulas de matemática e de ciências para mulheres — no que, segundo suas alunas, Mary era muito boa. Ao longo da vida, ela se interessou por psicologia, e escreveu livros sobre o assunto, alguns dos quais influentes. Sobre esses livros, escreveu: “Meu objetivo era entender como as pessoas, especialmente as crianças, aprendem matemática e ciências usando a razão, o corpo, e seus processos inconscientes.”
Marie-Sophie Germain (1776-1831) — Aos 13 anos, Sophie não podia sair de casa — as ruas de Paris estavam perigosas demais por causa da revolução francesa. Ela passou a ler os livros do pai, e topou com a lenda de como Arquimedes morreu: ele desenhava uma figura geométrica na areia do chão, e estava tão entretido que não deu resposta a uma ordem de um soldado romano. O soldado o matou com uma lança. (A lenda mudou, de lá para cá, mas foi essa versão que Sophie conheceu.) Ela ficou encantada com a história: se uma pessoa pode ficar tão entretida com matemática a ponto de morrer, pensou Sophie, então matemática deve ser muito interessante! A partir desse dia, passou a estudar matemática por conta, e conseguiu aprender cálculo diferencial sozinha.
Naquela época, uma mulher não devia estudar matemática, exceto se fosse da classe alta, para ter o que conversar durante as festas. Os pais de Sophie a faziam ir para a cama nua, desligavam o aquecimento do quarto, e levavam as velas embora, assim ela não teria como estudar à noite. Mas ela escondia velas no quarto, se enrolava nos lençóis e estudava matemática à luz de velas boa parte da noite. A certa altura, seus pais desistiram; disseram que seu interesse por matemática era “incurável”.
Na juventude, Sophie conseguiu notas de aula de alunos da Escola Politécnica de Paris, na qual ela não podia entrar, e estudou matemática avançada por meio dessas notas. Usando um pseudônimo (monsieur LeBlanc), submeteu um trabalho sobre cálculo para o famoso professor Lagrange, que ficou bem impressionado e quis conhecer o autor. Os dois arranjaram um encontro, e Lagrange ficou de queixo caído ao descobrir que o autor do artigo era uma jovem mulher.
A vida de Sophie entre os matemáticos da época não foi fácil, mas, com a ajuda de Lagrange e dos matemáticos com os quais ela se correspondia (entre eles Gauss), ela pôde produzir bastante. Morreu aos 55 anos, vítima de câncer de seio, mas deixou pronto um passo importante na resolução do último teorema de Fermat. Esse passo seria usado mais tarde pelos matemáticos do século 20, inclusive por Andrew Wiles, que provou a validade do teorema em 1995.

Pesquisa realizada no site:
 http://www.revistacalculo.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário