Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática defende mudanças no ensino da disciplina, o que pode aproximar estudantes, números e inovação
Nathalia Goulart

O Brasil acumula alguns tristes índices de educação, especialmente na área de matemática. Os números provam isso:apenas 11% dos alunos do ensino médio concluem esse ciclo sabendo o que deveriam, de acordo com dados do
movimento Todos Pela Educação. A mais recente medição apontou que o
problema começa nas séries iniciais. Segundo a Prova ABC, ao fim do
terceiro ano do ensino fundamental, metade das crianças não domina operações simples de soma e subtração. No Pisa, avaliação internacional aplicada pela OCDE, os alunos brasileiros estão 241 pontos atrás dos chineses,
líderes do ranking, em matemática. Para Marcelo Viana, vice-presidente
da Sociedade Brasileira da Matemática (SBM), o problema é provocado
principalmente pela distância – no tempo e no espaço – entre a teoria
abstrata que chega à sala de aula e o mundo concreto que se vê fora da
escola. "No processo de transmissão desse conhecimento pela escola, os
professores optam por apresentar a disciplina de maneira abstrata, ao
invés de conectá-la à realidade", diz Viana. Atualizar a matemática das
escolas e aproximá-la da realidade não implica simplificação, ressalva o
matemático. Basta encontrar a maneira correta de fazê-lo. "É possível
explicar tudo isso a qualquer estudante." Viana conversou com nossa
reportagem sobre o desafio da matemática para a reportagem da Revista Veja sobre o impacto da educação e do ensino das ciências no desenvolvimento do país.
Por que ensinar matemática é um desafio tão grande?
A matemática
é um conjunto de conhecimentos abstratos que encontram uma
correspondência com o mundo concreto. Porém, no processo de transmissão
desse conhecimento pela escola, os professores optam por apresentar a
disciplina de maneira abstrata, ao invés de conectá-la à realidade. O
modo correto de fazer com que o estudante aprecie esse conhecimento não é
começar pela teoria, mas, sim, relacionando o ensinamento com o
cotidiano. Só então, chega-se à abstração, que é natural da matemática.
Alguns especialistas dizem essa dificuldade de aproximar teoria e
prática é devida ao fato de o ensino da matemática estar parado no
tempo. O senhor concorda?
Esse é um dos fatores. Leva-se muito tempo
para incorporar as inovações da matemática nos currículos escolares.
Isso é, na verdade, um problema antigo. No início do século XX, houve um
esforço muito grande para que fossem incorporadas as inovações do
século XIX. Agora, os especialistas estão empenhados em esforço similar,
ou seja, de incorporar nos currículos do século XXI as transformações
do século XX. As tecnologias, os novos programas, a internet – tudo isso
transformou a matemática. O Google só foi possível com a matemática do
século XX.
O senhor pode dar exemplos das transformações do século XX que precisam ser incorporadas?
Sim.
A matemática discreta, por exemplo, por meio da qual medimos objetos
muito grandes mas finitos e que é muito utilizada na ciência da
computação. Outro ponto é a teoria do caos, que tem inúmeras aplicações
para resolver problemas de grande complexidade em uma velocidade grande.
Existem também os algoritmos, que são regras criadas para resolver
problemas complexos, como se quiséssemos organizar por ordem alfabética
os nomes dos 200 milhões de brasileiros.
É possível ensinar esse tipo de conteúdo para alunos da educação básica?
Com certeza. Algumas áreas são técnicas e exigem pré-requisitos
elaborados. Mas existem muitos aspectos elementares desses conteúdos –
digo elementares não por serem fáceis, mas por exigirem poucos
pré-requisitos. É possível explicar tudo isso a qualquer estudante.
Para isso é preciso professores capacitados, correto?
Sim. A
dificuldade atualmente é a capacitação do professor, que é hoje um dos
grandes gargalos da educação. A capacitação inicial e continuada desse
profissional ainda é muito frágil.
Como fica nosso futuro científico se falharmos na missão de aproximar a matemática das crianças e dos jovens?
O Brasil conseguiu nas últimas décadas a façanha de construir um
sistema científico sem ter uma educação razoável. Nossa ciência atingiu
um patamar louvável para um país sem estrutura científica. Mas não é
possível seguir dessa maneira. Precisamos dar um salto quantitativo e
qualitativo para nos aproximar dos países mais desenvolvidos do mundo. A
única forma de conseguir isso é universalizando o acesso à ciência,
permitindo que ela chegue a todos e que todos possam se apaixonar e se
dedicar a ela.
Como fazer isso?
É preciso inclusão. Temos boas escolas nos
país. Nossos melhores alunos são comparáveis aos melhores alunos dos
melhores países. Em competições internacionais, ganhamos diversas
medalhas em matemática, física e robótica, por exemplo. O problema é que
nosso nível médio é ruim. Nossos alunos medianos são ruins. É esse o
grande problema da educação.
O país está disposto a fazer esse investimento em ciência?
É o
futuro do país que está em jogo. Se não investirmos nisso agora, não
investiremos nunca mais. Está provado que é possível fazer essa
revolução investindo em educação e democratização científica. A Noruega
era um país em desenvolvimento até pouco tempo atrás. Graças ao
investimento em educação, é uma grande nação. A Finlândia era um país em
que os moradores migravam porque não havia oportunidade. Hoje, é
referência em diversos campos. O Japão, idem. A China está se
transformando e está investindo em ciência. Ela, um país continental
como o nosso, mostra que é possível fazer isso em grande escala. Todos
esses países se transformaram porque investiram.
Pesquisa realizada no site:
http://veja.abril.com.br/
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