Diante do desempenho cadente dos estudantes, o professor da Universidade de Brown propõe ensino de ciências atrelado à realidade dos alunos
Nathalia Goulart

Está provado por a + b que a matemática é o problema. E não só para os alunos brasileiros. Nos Estados Unidos, o desempenho dos estudantes em testes nacionais e internacionais
está em queda quando o tema são números. O assunto preocupa David
Mumford, professor emérido do departamento de matemática da Universidade
de Brown, em Massachusetts. "Quase ninguém vê razão em aprender
matemática porque ela se tornou abstrata", diz o especialista. "Foi por
meio das aplicações do dia a dia que a disciplina surgiu, atravessou os
séculos e se conectou com as culturas modernas. É preciso resgatar
isso." Na percepção do americano, o ensino das demais ciências padece do
mesmo mal – e carece da mesma solução. Mumford conversou com nossa
reportagem sobre o assunto para a série de reportagens de VEJA sobre o impacto da educação e do ensino das ciências no desenvolvimento do país

Mumford, professor de matemática
O senhor defende uma mudança no ensino da matemática. Por quê?
Os especialistas que decidem a forma como devemos ensinar matemática na
escola são pessoas ligadas a pesquisa e, em geral, não estão em contato
com os estudantes que aprendem matemática e absorvem esses conteúdos.
Aquelas pessoas pensam a matemática de uma forma muito abstrata, um
processo que é pouco natural para a grande maioria. Recentemente,
escrevi juntamente com um colega um artigo para o jornal The New York Times
a respeito: uma professora nos contatou dizendo que estava ensinando a
seus alunos do terceiro ano conceitos de divisão e multiplicação por
meio de uma receita de bolo. É desse tipo de ensino que precisamos.
Assim como o Brasil, os Estados Unidos registram queda no rendimento de seus alunos em matemática. O problema é universal?
Sim,
é um problema de todos. Quase ninguém vê razão em aprender matemática
porque ela se tornou abstrata. Vou dar um exemplo concreto. Quando as
crianças aprendem aqueles problemas com x e y, elas não conseguem
entender que tipo de conexão aquilo tem com a vida delas. Se, por outro
lado, o professor toma como ponto de partida um problema financeiro,
prático, os alunos entendem que os números e a realidade estão
interligados, que existe uma conexão entre eles.
Treinar os professores para essa transição é uma tarefa difícil?
Esse é um grande desafio. Hoje, nos Estados Unidos, existe um grande
esforço para aumentar a qualificação do professor de matemática. Mas
essa é uma questão difícil, porque temos um quadro muito heterogêneo.
Conheço professores que adoram a ideia de uma matemática mais concreta
nas escolas e outros que têm aversão a essa ideia.
Qual seria o resultado dessa transformação que o senhor propõe?
As pessoas parariam de olhar para a matemática como se ela fosse um
alienígena. Elas estarão mais aptas a lidar com questões do século XXI.
Os computadores são um exemplo disso. Para a maioria das pessoas, o
computador é apenas uma caixa preta que funciona de forma mágica.
Acredito que todo e qualquer estudante do ensino médio deveria aprender
na escola a desenvolver programas de computador, por mais simples que
sejam. Só assim, poderão compreender de forma elementar o que se passa
em um computador e como as coisas não são assim tão misteriosas.
Em seu artigo no New York Times, o senhor fala de alguns conteúdos matemáticos que são desnecessários na escola. O senhor pode dar exemplos?
Os
polinômios, por exemplo, não têm utilidade nenhuma para 99,9% da
população. Ensinar isso na escola é uma perda de tempo sem tamanho. Ao
invés disso, deveríamos ensinar engenharia básica e finanças, por
exemplo. Digo isso para chocar as pessoas e para que elas percebam que
existem outros caminhos além daqueles apresentados pela escola. Foi por
meio das aplicações do dia a dia que a matemática surgiu no passado,
atravessou os séculos e se conectou com as culturas modernas. É preciso
resgatar isso.
O senhor acredita que isso também acontece nas demais disciplinas de ciências?
Sim. Há alguns anos, as escolas costumavam dissecar animais durante
aulas de biologia. Mas em um determinado ponto, especialistas decidiram
que aquilo era antigo e ultrapassado e que as crianças deveriam aprender
sobre genética e DNA. Mas elas não estavam preparadas para essa
mudança, porque quando elas deixaram de dissecar animais perderam o elo
mais concreto daquela biologia e passaram a trabalhar com abstrações.
Elas passaram a ser obrigadas a aceitar ideias que não tinham ligação
com a realidade concreta. É o mesmo que acontece com a matemática.
Quão difícil é empreender a mudança no sentido que o senhor propõe?
Não tenho ilusão de que isso vá acontecer da noite para o dia. O que
desejo é dar início a discussões e fazer com que todos pensem sobre esse
assunto. E assim espero que dentro de dez ou vinte anos alguma mudança
possa ser vista.
Pesquisa realizada no site:
http://veja.abril.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário