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sábado, 7 de julho de 2012

A matemática como arte

  Matemática. Ciência que estuda as propriedades de seres abstractos, como números, figuras geométricas, funções,..., bem como as relações entre eles, utilizando um método essencialmente dedutivo.
 
    Arte. 1.Habilidade ou conhecimento geral, desenvolvido de forma reflectida e com uma finalidade, por oposição a natureza que é espontânea e irreflectida. 2. Conhecimentos mais ou menos rigorosos, destinados a aplicação prática, por oposição a ciência, enquanto conjunto de conhecimentos teóricos, puros; técnica geralmente aplicada com engenho, perícia, segundo determinadas regras.
     Ninguém duvida que a matemática é uma ciência, que trabalha com conceitos e ideias, que se fundamenta num conjunto de axiomas, proposições e definições.  Como todas as outras ciências, a matemática foi edificada lentamente, num longo processo que, em muitos casos, revelou algumas falhas. No entanto, com o passar dos séculos, foi sendo possível eliminar sucessivamente as lacunas existentes, ou pelo menos algumas delas. É claro que muito permanece por realizar e por conquistar. Seria insensato pensar que tudo estaria alcançado. No entanto, muito já foi conseguido. Não que a matemática seja perfeita. Isso não é possível. Mas conseguiu-se algo de extraordinário e belo: o edifício matemático.

    Mas, em que medida se poderá dizer que o matemático é um artista? Será que, como todos os artistas, também os matemáticos  têm um pouco de louco, de criança e de Deus? É o que defende Whitehead quando escreve:

"o estudo das matemáticas é uma loucura divina do espírito humano, um refúgio ante a urgência agrilhoante dos acontecimentos contigentes." (cit. in Providência, 2000: 11). 


    Na mesma linha, também Hardy escreveu: 

"(...) nenhum matemático devia alguma vez esquecer que a matemática, mais do que qualquer outra arte ou ciência, é um jogo juvenil." (cit. in Providência, 2000: 11). 


   Estamos perante uma discussão bastante interessante: qual o lugar da matemática no conjunto das artes e das ciências? Qual é o seu estatuto? Qual a sua relevância quando comparada com as outras ciências e com as outras artes?  Quer tenha sido por uma necessidade inadiável de progresso económico, ou apenas por necessidades artísticas de produção de novas realidades ou até por meras necessidades lúdicas, o certo é que a matemática faz parte da nossa cultura. O difícil é conceber uma sociedade em que vivêssemos sem o contributo da matemática e das suas aplicações. É assim legítimo dizer que a matemática ocupa um lugar de relevo, um lugar de grande protagonismo na história da cultura da humanidade, seja como arte ou como ciência. No livro "O Homem Que Sabia Contar", existe uma passagem bastante interessante sobre a ligação da matemática com a arte e a ciência:


 "Asad-Abu-Carib, rei do Iémen, ao repousar, certa vez, na larga varanda do seu palácio, sonhou que encontrara sete jovens que caminhavam por uma estrada. Em certo momento, vencidas pela fadiga e pela sede, as jovens pararam sob o sol causticante do deserto. Surgiu, nesse momento, uma formosa princesa que se aproximou das peregrinas, trazendo-lhes um grande cântaro cheio de água pura e fresca. A bondosa princesa saciou a sede que torturava as jovens, e estas, reanimadas, puderam reiniciar a jornada interrompida. Ao despertar, impressionado com esse inexplicável sonho, determinou Asad-Abu-Carib que viesse à sua presença um astrólogo famoso, chamado Sanib, e consultou-o sobre o significação daquela cena a que ele - rei poderoso e justo - assistira no mundo das Visões e Fantasias. Disse Sanib, o astrólogo:"Senhor! As sete jovens que caminhavam pela estrada eram as artes divinas e as ciências humanas: a Pintura, a Música, a Escultura, a Arquitectura, a Retórica, a Dialéctica e a Filosofia. A princesa prestativa que as socorreu simboliza a grande prodigiosa Matemática." "Sem o auxílio da Matemática - prosseguiu o sábio - as artes não podem progredir e todas ciências perecem." (Malba Tahan, 2001: 63)


     Podemos discordar vivamente da tese presente neste texto. Mas o que não podemos ignorar é que, para muitos, a matemática é o núcleo central das ciências e das artes.
     Picasso, Renoir, ou Monet são pintores geniais, artistas gigantescos e sublimes. Ora, a matemática também tem alguns destes artistas que romperam com o passado e criaram um novo futuro. Gauss, Pitágoras, Euclides, Leibnitz, Descartes, Keppler, ...  foram geniais criadores de novas realidades matemáticas. Os seus legados são incontornáveis para todos os que pretendem conhecer a matemática. Tal como na arte, por mais que pareça que o edifício matemático está criado, surge sempre mais uma inovação, mais um teorema, mais uma inefável idealidade. Uma nova matemática é criada, inventada, proposta. E parte da beleza da matemática reside nisso. Por outro lado, as entidades matemáticas podem estar directamente relacionada com o mundo que nos rodeia ou aparecer como etéreas e (aparentemente)  inúteis .Uma matemática  que hoje parece ser uma pura perda de tempo, pode futuramente protagonizar um papel importantíssimo. Não é pois de estranhar que um matemático possa afirmar que tem como principal objectivo no desenvolvimento de um teorema a sua beleza e não a sua aplicação económica, militar, ou outra. É o que diz Hermann Weyl: 


"o meu trabalho sempre tentou unir o verdadeiro e o belo, mas, quando tive de escolher entre um e o outro, escolhi normalmente o belo." (cit. in Providência, 2000: 20).


     Mas, um não matemático pode não compreender a beleza de um teorema. Certamente concordará com a sua utilidade, presente ou futura. Poderá até reconhecer que está bem estruturado. Mas, quanto à sua beleza terá, muito provavelmente, as maiores dúvidas. Porem, não é só na matemática que isso acontece. Não é verdade que Picasso é adorado por uns e odiado ou menosprezado por outros? Que a Aida de Verdi parece bela e empolgante aos olhos de uns e pesada ou mesmo ridícula para outros? Que o Guggenheim de Nova York, ou o Fallingwater de Frank Lloyd Wright são edifícios que não recolhem consenso quanto à sua beleza arquitectónica? Não é isso mesmo que, de forma lapidar, diz Álvaro de Campos: 


"o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente a dar por isso."

     Além disso, a beleza da matemática não reside apenas na busca de novas fronteiras. Ela está também presente no modo como a matemática está estruturada e organizada. Como escreveu Gomes Teixeira:

"um trabalho matemático é, para quem o sabe ler, o mesmo que um trecho musical para quem o sabe ouvir, um quadro para que o sabe ver, uma ode para quem a sabe sentir." (cit. in Providência, 2000: 19). 

    A beleza reside pois também no modo da criação. E o modo como a Matemática está estruturada é extremamente belo. Três diferentes ramos - a Aritmética, a Álgebra, a Geometria - que se complementam, que se combinam de forma simultaneamente complexa e harmoniosa. O modo como coexistem é fascinante. Não resistimos, mais uma vez, a transcrever uma passagem do livro "O Homem Que Sabia Contar":

"Para atingir o seu objectivo, precisa a Matemática estudar os números, as suas propriedades e transformações. Ela toma então o nome de Aritmética. Conhecidos os números é possível aplicá-los na avaliação das grandezas que variam, ou que são desconhecidas, mas que se apresentam expressas por meio de relações e fórmulas. Temos assim a Álgebra. Os valores que medimos são representados por corpos materiais ou por símbolos; em qualquer caso, entretanto, esses corpos ou símbolos são dotados de três atributos: forma, tamanho e posição. Importa, pois, que estudemos tais atributos. E esse estudo vai constituir o objecto da Geometria. Interessa-se ainda a Matemática pelas leis que regem os movimentos e as forças, leis que vão aparecer numa admirável ciência que se denomina Mecânica. A Matemática põe todos os seus preciosos recursos ao serviço de uma ciência que se eleva da lama e engrandece o homem. Essa ciência é a Astronomia. Falam alguns nas Ciências Matemáticas, como se a Aritmética, a Álgebra e a Geometria formassem partes inteiramente distintas. Puro engano! Todas se auxiliam mutuamente, se apoiam umas nas outras e, em certos pontos, se confundem."(Malba Tahan, 2001: 61)


     Acresce que o próprio Mundo pode ser pensado como um objecto matemático. Objecto que se manterá para sempre aberto às mais e variadas descobertas, disponível ao incessante desvendamento dos objectos matemáticos que o constituem. Como dizia Galileu:


"A filosofia está escrita nesse grandíssimo livro que temos aberto ante os olhos, isto é, o universo, mas não pode entender-se se antes não se aprender a entender a sua língua, a conhecer os caracteres em que está escrito. Está escrito em língua matemática e os seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível entender sequer uma palavra; sem eles é como andar às voltas, em vão, num obscuro labirinto." 

     Ou será que, ao contrário de Galileu, o matemático inventa absolutamente, produz realidades que ninguém vê. Talvez então seja Charles Darwin que tem razão:

"um matemático é um homem cego, numa sala às escuras, à procura de um gato preto, que não se encontra lá." (cit. in Providência, 2000: 23)

   
    De qualquer forma há talvez um ponto de aproximação entre a matemática e a arte em que todos estamos talvez de acordo. É que, tal como qualquer artista, o matemático tem como tarefa persistir sempre numa incessante busca que pode durar toda uma vida. Percorrer um caminho árduo, por meios próprios, com tentativas e erros, enganos e desenganos, alegrias e derrotas, muitos fracassos e poucas vitórias. Trata-se, no fundo, de desenvolver a alma humana. 
      Não é isso, afinal, que diz o texto aqui traduzido de John William Navin Sullivan, "Mathematics As An Art"?

     Ninguém diz que a arte recompensa o seu criador. Mas recompensa sem dúvida todos os que sabem recolher em si a beleza que ela produz.  Resta-me esperar que, com o meu ensino, a Matemática possa recompensar os meus alunos.

 Pesquisa realizada no site:
 http://www.educ.fc.ul.pt

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