Três estudantes transformam uma montanha de blocos, fios e engrenagens em Hipérion, um robô de 22 centímetros que consegue discernir e agarrar objetos
Helena Borges

Dedicação - Hipérion (o robô do meio) foi destaque na
olimpíada de robótica: “Na véspera, não saíamos do laboratório nem para
comer”, diz Renato (à esq.), que, com Bruna e Raul Tapia, passou um ano
perseguindo um exemplar perfeito
(Lailson Santos)
Os estudantes ao lado levaram um ano para transformar uma montanha de
blocos, fios e engrenagens em Hipérion, um robô de 22 centímetros que
consegue discernir e agarrar objetos trazendo-os disciplinadamente de
volta à base de onde partiu. São pequenos detalhes, invisíveis à
maioria, que fazem desse um espécime, digamos, de alta estirpe no mundo
da robótica. Hipérion (nome de uma das luas de Saturno) percorre uma
linha reta sem vacilar, detecta seu alvo de forma certeira, demonstra
firmeza nas mãos mecânicas. Por esses atributos, a turma que o criou
conseguiu levá-lo para a recém-encerrada olimpíada internacional de
robótica, a RoboCupJunior, disputada na Cidade do México por quarenta
países e 4 000 alunos.
O exemplar brasileiro acabou não indo à etapa final pelo tempo que
gastou para concluir o circuito da prova, vencida pelos chineses, mas
chamou atenção por seus dotes. "A poucos dias da competição, já não
conseguíamos mais deixar o laboratório nem para comer, em busca de mais e
mais precisão nos movimentos de nosso robô", conta Renato Ferreira, 17
anos, do Colégio Objetivo. Ele não tem dúvida: vai prestar vestibular
para engenharia da computação, opção da maioria desses meninos e meninas
vidrados em robótica, que passou a ser ensinada em escolas públicas e
particulares de todo o país. A maior parte das que estão no topo do
ranking do Enem tem o curso, em geral como aula extra, e as que ainda
não têm planejam organizar um.
Estudantes americanos e asiáticos já tomam contato com os princípios da
robótica na sala de aula desde os anos 80. Divertem-se enquanto vão
absorvendo os conceitos de matemática e física. É mais produtivo a
partir dos 10 anos, quando as crianças já leem e escrevem e, assim,
conseguem iniciar-se no terreno da programação de sistemas. São elas que
definem os movimentos dos robôs aos quais dão vida num teclado de
computador com símbolos bem simples. Essas informações são guardadas em
uma placa que fica junto às estruturas feitas com os pequenos blocos
colocados de pé pelos próprios alunos. Com o tempo, os robôs ganham
tamanho e complexidade, levantando questões teóricas cuja solução exige,
por exemplo, noções de ótica: como chegar à melhor posição possível
para que o sensor capte a maior quantidade de luz e faça o robô
deslizar?
Os alunos também se debruçam sobre desafios da cinemática, como
encontrar o modelo ideal de pneu para vencer os atritos de diferentes
superfícies. Sem que percebam, os estudantes se familiarizam com a base
do método científico, criando hipóteses diante dos problemas que vão
surgindo e testando-as. "Eles descobrem a verdadeira utilidade dos
cálculos que veem na lousa e entendem melhor a origem e a consequência
de seus erros", observa o doutor em engenharia mecânica João Vilhete,
coordenador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp.
O primeiro a sair em defesa do uso da programação de sistemas como
ferramenta na educação de crianças e jovens foi o doutor em matemática
Seymour Papert. Ele fez do Media Lab, no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, o MIT, referência na área. Na década de 70, Papert era
tão fascinado pela ideia de usar o computador em prol do ensino que foi
ao extremo no que pregava: dizia que, ao programarem a máquina de acordo
com o seu ritmo e curiosidade, os alunos poderiam aprender por si
mesmos em um infindável processo do qual o professor seria um mero
coadjuvante. Sua teoria não vingou pelo radicalismo, mas dela
originou-se toda a pesquisa mais séria sobre tecnologia aplicada à sala
de aula, incluindo aí os estudos sobre robótica.
A experiência deixa claro em que cenários a lição surte mais efeito.
"Já sabemos que as aulas de robótica dão mais resultado naqueles casos
em que se integram ao currículo tradicional da física e da matemática.
Do contrário, não produzem grandes efeitos", explica a VEJA o cientista
da computação David Cavallo, discípulo de Seymour Papert, hoje à frente
do laboratório no MIT.
O incentivo ao raciocínio lógico e à investigação científica desde
muito cedo é certamente bem-vindo ao Brasil, país onde tão poucos ainda
se formam na área de exatas — caso de apenas 10% dos graduados. Para se
ter uma ideia da dimensão do nó brasileiro, o contingente dos que
enveredam por esse campo do conhecimento na Coreia do Sul, por exemplo,
chega a ser o triplo. Contar com gente tão aficionada de números e bytes
como o trio de estudantes que ilustra estas páginas, portanto, é mais
do que necessário. Mascote da turma, Bruna Fusco, 14 anos, há quatro foi
atraída pelos encantos da robótica, que virou uma diversão imbatível.
Ela acaba de voltar da RoboCup com o ânimo renovado para internar-se
mais uma vez no laboratório de sua escola e tentar criar outros
exemplares como o Hipérion. No México, onde competiu ao lado dos
melhores do mundo, aproveitou as horas de folga para circular pelos
estandes das equipes profissionais. Espantou-se com a evolução dos robôs
que já são capazes de captar várias informações ao mesmo tempo sobre o
ambiente em que estão e tomar decisões inteligentes com base nelas. Diz a
menina, para quem a ciência parece um caminho quase que natural: "Eu me
senti em casa nessa Disneylândia da robótica".
Pesquisa realizada no site:
http://veja.abril.com.br
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