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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Doença que dificulta aprendizado de matemática é alvo de especialistas


Neurologistas, pedagogos e psicólogos chamam a atenção para a discalculia do desenvolvimento, enfermidade análoga à dislexia, mas que afeta operações com números; estudos apontam que 6% da população mundial sofre com o transtorno


  Cerca de 6% da população mundial sofre de discalculia do desenvolvimento, transtorno neurológico que dificulta o aprendizado da matemática. A incidência é praticamente a mesma da dislexia, problema análogo - bem mais famoso - relacionado à leitura e à escrita. Pesquisadores brasileiros e estrangeiros querem trazer a discalculia do desenvolvimento para a ordem do dia.
  Há poucas semanas, uma das principais revistas científicas do mundo - a Science - publicou um artigo sobre a doença. O texto recordava perdas sociais e econômicas para comprovar a gravidade do problema.
  Na Grã-Bretanha, por exemplo, estimou-se em R$ 6 bilhões os custos anuais do mau desempenho matemático entre os ingleses. O trabalho também apontava o caráter de transtorno negligenciado da discalculia. Desde 2000, a doença mereceu R$ 3,6 milhões em pesquisas do governo americano. No mesmo período, a dislexia recebeu quase R$ 170 milhões.
"E há trabalhos que mostram que o impacto da discalculia é, pelo menos, tão grande quanto o da dislexia", diz Vitor Haase, do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG. "Mas há uma questão cultural: as pessoas não valorizam tanto a importância da matemática quanto a de ler e escrever."
Contextos. Para que uma criança seja diagnosticada com discalculia do desenvolvimento, é necessário comprovar que sua dificuldade no aprendizado da matemática não nasce de uma deficiência intelectual - que comprometeria outras áreas do conhecimento - ou de problemas afetivos. Também deve ser descartada a hipótese de que condições sociais concretas - como um ambiente de vulnerabilidade em casa ou na escola - bastariam para explicar o transtorno.
José Alexandre Bastos, chefe do serviço de Neurologia Infantil da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), sublinha que os diagnósticos da discalculia do desenvolvimento são sempre feitos por uma equipe multidisplicinar que costuma incluir um neurologista, um neuropsicólogo, um pedagogo e um fonoaudiólogo.
  "Vale a pena lembrar o impacto do transtorno em reprovações, abandono escolar, bullying, além de prejuízos à autoestima da criança", afirma a coordenadora do Laboratório de Neuropsicologia da Unesp de Assis, Flavia Heloisa dos Santos. Há vários anos pesquisando o tema, Flavia descobriu que a música pode ser uma poderosa ferramenta para a reabilitação neuropsicológica de crianças com o problema.
Terapia. O tratamento da discalculia não envolve drogas, mas treinamento matemático. Só nos casos em que a criança tem transtorno de déficit de atenção e hipertatividade (TDAH) o médico costuma receitar algum medicamento. "Mas é para tratar o TDAH", afirma Bastos. "Cerca de 40% das pessoas com dislexia e discalculia tem TDAH."
  Casos concomitantes de dislexia e discalculia também são comuns. Sheila Guerra, de 11 anos, é um exemplo. Como reforço à escola, ela estuda matemática e português em uma unidade que aplica o método Kumon, em Belo Horizonte. Lá, realiza o treinamento necessário para superar as duas condições. Conta com o acompanhamento da psicopedagoga Miriam Moraes, que afirma que ela deve superar a discalculia em até um ano.
Ruth Shalev, do Centro Médico Shaare Zedek, em Israel, publicou trabalhos comprovando que 47% das crianças que tratam a discalculia conseguem superar o problema. Mas o estudo mostrou que a taxa de sucesso cresce com o diagnóstico precoce.

PARA ENTENDER

  "Discalculia não é dificuldade para fazer cálculos complexos", diz o neurologista José Alexandre Bastos. "É a incapacidade de lidar com operações triviais." Os problemas ocorrem em três campos: compreensão dos fatos numéricos (adição, subtração, multiplicação e divisão simples), realização de procedimentos matemáticos (como divisão de números grandes ou soma de frações) e semântica (compreensão da linguagem usada para formular problemas). Ao minar os fundamentos, a discalculia impede a aquisição de conhecimentos mais complexos. 


Jovem acerta 100% após o tratamento

Grupo de estudiosos da UFMG atende pessoas e investiga as raízes genéticas da discalculia

  Na semana passada, Jessica Silva, de 14 anos, foi à sua última sessão de acompanhamento com a psicóloga Annelise Júlio, do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND) da UFMG. Faria um conjunto de exercícios de matemática para avaliar a efetividade das intervenções. Annelise fez questão de tranquilizá-la: "Calma, você consegue."

Cálculo. Jéssica (esq.) foi bem em teste após a ajuda de Annelise, que estuda o problema - Washington Alves/Light Press
Washington Alves/Light Press
Cálculo. Jéssica  foi bem em teste após a ajuda de Annelise, que estuda o problema
  De fato, a garota acertou tudo. Como esperado de alguém com um quociente intelectual igual a 120, valor que não deixa dúvidas sobre a inteligência de Jessica. Quando começaram as intervenções, no entanto, seu rendimento estava bem abaixo do de uma adolescente da sua idade.
Ela tem transtorno de ansiedade matemática. Diante de números e contas, sofre um bloqueio que impede qualquer avanço. Como a discalculia do desenvolvimento, o transtorno dificulta muito o aprendizado.
  A unidade da UFMG que auxiliou Jessica pretende identificar as raízes genéticas da discalculia. Estudos já encontraram a causa da doença no mau funcionamento de determinados circuitos cerebrais - especialmente no sulco intraparietal.
  O consumo de álcool na gravidez ou o parto prematuro podem explicar os erros no desenvolvimento neuronal que causam a discalculia do desenvolvimento. Contudo, fatores hereditários permanecem como a principal causa do transtorno. Algumas síndromes genéticas bem definidas, como a síndrome de Turner, são classicamente associadas a um baixo desempenho matemático.
  "Mas, na maioria dos casos, a discalculia é uma herança relacionada a vários genes e associada a fatores ambientais", explica Vitor Haase, do LND. Ele coordena o projeto que busca as raízes genéticas da discalculia.
  Com a permissão de escolas e pais, o grupo de pesquisa de Haase aplica testes em crianças e adolescentes para identificar quem tem dificuldade em matemática, apesar de não apresentar deficiência intelectual ou problemas sensoriais e motores.
  Os pais das crianças que tiveram baixo desempenho são convidados a conhecer o projeto. Se quiserem, podem autorizar a realização de um exame neuropsicológico e a coleta de DNA dos filhos - obtido da saliva. Recebem, em troca, um relatório e sessões de aconselhamento.
   Com o auxílio da pesquisadora Maria Raquel Santos Carvalho, do Laboratório de Genética Humana e Médica da UFMG, Haase investiga o DNA em busca de mutações. Olha principalmente para cromossomos relacionados a outras síndromes associadas ao baixo desempenho em matemática.

 Pesquisa realizada no site: 

http://www.estadao.com.br

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